Caminhada

Hoje de manhã, esperando para ser atendida num consultório médico, peguei um livro para passar o tempo. O nome do livro era Caminhada e ao abrir a dedicatória que fica na primeira página, encontrei esse texto que parecia até poder ter sido escrito por um de seus filhos:

Pai,

Eu tinha tantos planos

tantas coisas para falar

sobre o céu e o mar

e nem dos meus erros pude me desculpar

Por que você não pode esperar?

Não sei onde você está,

mas um dia vamos nos encontrar.

Saudades.

Onde está Deus?

Correia Junior

"" - Onde está Deus, papaizinho, que o meu olhar nunca vê?...
Por que, apenas, adivinho, na luz... nas flores... no ninho...
no céu... na terra... Por que?

Por que não tenho a ventura
de nele os olhos fitar?
como nas nuvens da altura,
como nos campos, no mar?...

Quanto feliz eu seria,
contemplando os olhos seus!
Dá-me a infinita alegria
de vê-lo, ao menos um dia!

Papaizinho, onde está Deus?

- Meu filho, sê bom,
no mundo semeia a paz, o perdão;
foge do mal negro e imundo,
e Deus verás, bem no fundo
do teu próprio coração!"

With love from Mother 16/12/53"" - manuscrito deixado nessa data por minha Vovó Edith ao meu pai.

Seo Godo

O Rafa, seu neto, que comemorava os aninhos no mesmo dia: 08 de abril. Cada vez que atingia uma idade, somando seus números, dava na idade do Rafael. O vô sempre gostava de comentar a coincidência na idade dos dois.

Godfrey e o Brasil

Sim, meu pai é descendente de ingleses como ele sempre fez questão de lembrar. Seu avô era William Godfrey, de quem eu andei procurando evidências de sua vinda para o Brasil mas até agora só tenho relatos de alguns poucos descendentes. Tudo que encontrei, contei para meu pai.

Mas, na verdade mesmo, o Sr. Godofredo é mais brasileiro do que se imagina. Ninguém mais do que ele, tocava no violão, músicas brasileiras. Era apaixonado pela Elizeth Cardoso, adorava Elis e Maysa. Ficava até bravo comigo de eu gostar de rock'n'roll e pop music. Fazer o que né, pai?

A Pedrininha era uma menina que se assustava quando você algumas vezes chegava em casa e ela achava que podia proteger seus irmãozinhos daquela "brabeza" que era causada pelo álcool. Mas ela te amava e não sabia como expressar esse amor já que você se escondia atrás das sensações que a bebida te dava. Agora, a menina cresceu e entendeu e já sabe que tudo que a assustou era na verdade o que mais te castigou. O que fica mesmo é o amor que você teve por todos nós. "Bença, pai".

Coração de passarinho

Essa mensagem é do Zé para você. Ele gosta mesmo de escrever né? E sabe usar as palavras para emocionar a gente.

Um homem criava passarinhos em gaiolas, dentro do banheiro. O sobrinho, indignado, perguntou a seu pai: por que o tio não solta os passarinhos?
A resposta foi: Eles são criados em cativeiro desde pequenos. Se ele soltar, não saberão se alimentar nem se defender dos predadores, mas pode ser que valha a pena. A sensação de poder voar de árvore em árvore, com total velocidade e liberdade, pode durar apenas um dia, mas pode ser que valha a pena...

A resposta foi imensamente sábia e nunca mais parou de ecoar no espírito do menino. Outras palavras também se tornaram inesquecíveis para ele, como as de sua avó.
A mãe desse homem, dona Edith, costumava pedir com muita doçura: Meus netinhos, se vocês pedirem para seu pai parar de beber ele vai ouvir vocês. Basta pedir "papai, por favor, pare de beber"...
Talvez ela tivesse razão. Talvez faltasse insistência e paciência de nossa parte. Talvez conseguíssemos, se tivéssemos insistido..."pare de beber, papai. Pare de fumar"...

Mas havia uma ternura muito particular no olhar desse José Godofredo. Com um olhar de menino rebelde, ele parecia dizer que não estava interessado em "gaiolas de abstinência". Sua liberdade de fazer o queria, mesmo que isso significasse não fazer absolutamente nada, parecia-nos muito valiosa. Apenas fumava, bebia, assistia TV ou mexia no computador. Era assim que ele parecia estar bem consigo mesmo, livre de obrigações.

Se os predadores desse passarinho, como o tabaco, o álcool e o sedentarismo, não tivessem a mania felina de "brincar" com suas presas, talvez o seu vôo tivesse durado bem menos. Mas a liberdade sempre foi tão importante para ele, que parecia nem ligar para as avarias causadas por esses vilões.

Muitas vezes foi advertido. Não estava nem aí. Parecia querer nos ensinar a voar.
Muitas vezes pedi que saísse de sua gaiola, porque não fui capaz de enxergar através das aparências. Aquele que estava sempre recluso e confinado, na verdade estava livre.

Se olhando por outro lado, achássemos que os vícios pareciam mantê-lo cativo, ele então ensinava sua lição de liberdade, provando que fumava e bebia simplesmente porque queria.

Será que os passarinhos são solitários? Há muitas perguntas que o menino ainda não sabe responder, embora tenha sido muito bem ensinado por esse sábio mestre. Sábio mestre que sempre se orgulhou de seus pupilos, dizendo: "meus filhos são tudo pra mim, são todos lindos. São a minha vida..."

Ensinou-nos a honra, a dignidade e a sabedoria. Colocou-nos em seu coração para sempre, e em nossos corações nunca mais deixará de morar. Quando alguém perguntar a respeito das qualidades desse José Godofredo, certamente, das muitas palavras que vierem à mente de quem o conheceu, a primeira delas será: "um bom pai". Temos certeza de que esse é seu conceito maior, embora sejamos suspeitos para dizê-lo.

Sendo, pois, apenas passarinho, queremos que sua alma percorra todas as copas de todas as árvores do mundo. Do mundo dos passarinhos felizes.
Voa pai! E que Deus te acompanhe!
Até um dia! Sua bênção.
Good night, sleep well...

José Wellington Godofredo

Pai,

Esse blog é para você, onde quer que você esteja.

Ontem você foi para um lugar que só podemos acessar através do pensamento e de palavras que temos para te dizer. O frade que celebrou uma cerimônia religiosa - isso mesmo, uma cerimônia - disse palavras que eu gostaria de reproduzir aqui uma a uma mas, as que mais ficaram e me agradaram foram quando ele disse que o fato de você ir deixa em nós que ficamos uma nova visão da vida. Nossa vida vai mudar a partir de agora pois a sua passagem por aqui foi para que o mundo fosse diferente e a sua ida também nos diz isso.

Beijo. Pê.